O Nehan Sesshin é um retiro tradicional realizado em celebração a
passagem do Buda histórico, Xaquiamuni Buda, ao Parinirvana/Nirvana Final, o que
teria ocorrido em 15 de fevereiro de 543 a.C, aos seus 80 anos.
Aqui minhas impressões:
Antes de chegar:
Conheci a Monja Coen pela internet. Li seus textos e vi palestras e
entrevistas pelo youtube. Ouvindo-a, sentia como se identificasse nas suas
palavras uma verdade que eu mesmo tentava expressar, mas que não tinha
suficientemente articulada ou mesmo compreendida. Quis conhecê-la e trilhar o
caminho que ela dizia ser suficiente para trazer paz aos espíritos inquietos: o
zazen (meditação sentada).
1º dia.
A técnica do zazen:
O Sesshin começou com instruções informais aos iniciantes sobre como fazer zazen:
sentados num safu (parece-se com uma almofada), com a coluna ereta, queixo
levemente em direção ao peito e olhos semi-abertos em 45° para baixo fitando uma
parede branca. Com as pernas cruzadas e os joelhos apoiados no
chão para manter a posição com menos esforço. Os dedos da mão esquerda ficam
sobre os dedos da mão direita, com os dois polegares se tocando muito levemente
(o que forma uma elipse). Nessa posição, as mãos ficam apoiadas rente ao tronco
logo abaixo do umbigo.
E lá fui eu em busca da paz interior no primeiro zazen da noite.
Minha primeira experiência de meditação em grupo:
Sentei, imóvel, junto com outras 35(?) pessoas por 30 minutos. Tentei
observar minha mente e não mexi para trocar as pernas de posição quando a
esquerda ficou dormente (como costumo fazer na meditação que pratico em casa).
Um período de zazen é sempre seguido de um outro de meditação andando
(kinhin), que dura 10 minutos. Anda-se MUITO devagar mantendo os olhos para
baixo. O propósito é concentrar-se em cada mínimo movimento do corpo, mas é também
um momento para aliviar as dores. Eu, entretanto, não consegui levantar durante
a maior parte desses 10 minutos, tamanha a dormencia em que estava minha perna
esquerda.
O sino toca por três vezes e voltamos a sentar para outro período de 30
minutos de zazen. Depois de 5 min minha perna já estava doendo novamente, e
lembrei que a sensei/Monja Coen, numa entrevista, falou de uma aluna que sempre
se movimentava quando o corpo começava a doer, até o dia que ela decidiu não mais
se movimentar, voltou a atenção para a própria mente e a dor desapareceu. Achei
a história o máximo e resolvi fazer igual. Não movimentei a perna pelos 20 min
seguintes, por mais que a dor fosse intensa, esperando que ela desaparecesse,
até que fui praticamente tomado por um desmaio. Três monges me abanavam (apenas
os que estavam ao meu lado, pois os demais continuavam a olhar para a parede). Me
ofereceram um copo d'água, e sal para a pressão.
Fiquei envergonhado pelo o que aconteceu, mas como o evento começou as
20h, não haveria outros períodos de zazen naquele dia.
2º dia.
O relógio atrasado:
Pela manhã eu e o monge Ryozan preparamos uma papa de arroz, cozinhamos
legumes, fizemos uma grande salada de frutas e fomos a feira. Depois, por
acaso, olhei para o relógio. Marcava 9h30. Por um momento pensei que o relógio
estava atrasado, afinal os legumes do almoço estavam deliciosos.Foi quando lembrei
que aquele havia sido apenas o café da manhã, pois havíamos acordado as 5h,
quando ainda havia estrelas no céu.
Nos dias seguintes o regime de 6h30 de sono diário seria uma das grandes
dificuldades que enfrentei.
Conversa com Monja Coen:
Ainda pela manhã (elas eram muito longas) a mítica (para mim) Monja Coen
trocou umas palavras comigo: "Você tem certeza de que não é melhor você ir
embora? Perceba a forma que você está sentado. Estás nitidamente desanimado.
Acho que esse lugar não é o que você tinha imaginando quando você olhou os
vídeos no youtube. Talvez esse não seja um lugar para você."
De fato, naquela manhã eu estava meio para baixo, ainda por conta do
quase-desmaio do dia anterior. Mas achei ela apriorista pois, para mim, estar
desanimado e desistir são coisas muito distantes.
Mais tarde, naquele mesmo dia, ela disse que até o final do sesshin ela
conseguiria me fazer ter raiva dela, em meio a risos. De fato, não me pareceu alguém
que transborda amor, como tinha pensado ser pelos vídeos do youtube.
Conversa com o monge Ryosan:
Ryosan é alguém com quem simpatizei desde o primeiro dia, quando ele me
abanava. Ele ouviu a Monja Coen/sensei insinuar que eu deveria desistir e me
disse que ser rígida é parte das suas atribuições. Que ela está ali para
procurar e explorar nossas fraquezas, para que possamos trabalha-las. Lhe
respondi que eu só iria embora se ela me expulsasse abertamente.
3º dia.
O que é zazen?
A meditação não se dá apenas quando estamos sentados num zafu com a coluna
ereta, mas é um estado da mente. A posição do corpo é apenas um facilitador. E enquanto descascava e cortava frutas para um outro café da
manhã, tentava manter uma mente meditativa, isto é, estar inteiro naquela
atividade. Foi quando percebi que é necessário energia, muita energia para
meditar. Que estar em plena atenção cortando frutas não significa cortá-las
muito devagar ou muito rápido. Que se pode cortar as frutas com energia ou
preguiçosamente. E que se pode sentar imóvel num zafu, manter a coluna ereta e,
sem energia, não fazer zazen. Da mesmo forma pode-se sentar IMÓVEL CHEIO DE
ENERGIA(!), empregar a plena atenção e fazer zazen.
Assim, zazen é uma técnica de meditação de atenção (a outra categoria de
meditação é a de concentração). Nela, não há inicialmente um obejeto de
meditação diferente da própria mente. Deve-se observá-la com
distanciamento, percebendo os pensamento e os não-pensamentos que surgem entre
eles. Deve-se observar o corpo, a respiração, a dor. É uma viagem para dentro
de si mesmo e deve-se ter energia pois a mente é sedutora e, se a vontade for
fraca, é fácil embarcar numa viagem que nos afasta do que acontece no AGORA. (Nesse
mesmo dia, a noite, a Monja Coen/sensei falou em uma palestra sobre esse
assunto, utilizando curiosamente o exemplo de cortar as frutas.)
Servindo o almoço:
Comer de acordo com a tradição budista é difícil, e desconfio fortemente
que seja proposital, para dificultar que se automatizem os movimentos, forçando
a atenção a estar sempre no que está sendo feito. Monja Coen/sensei conseguia
arrumar as suas tijelinhas e ainda corrigir (com energia) quem não dobrava o
lenço de acordo com a tradição.
Servir as refeições é um pouco mais fácil, com exceção da sopa. Quando
fui servir a primeira pessoa, a sensei estava de olho e me
"chamou a atenção" para 2 erros que eu estava cometendo. Tentando
corrigir e fiz ainda pior. "São com três dedos!! Tira esses outro
dois!!!". Ai eu tirei os dois dedos da mão errada. "Como é que
colocam alguém que não sabe nada para fazer isso?!!!". Então eu fiz mais
umas duas coisas erradas e ela começou a rir. Fiquei desconfiando que a
rabugisse era só de fachada.
No terceiro dia, sentado no banquinho, ouço um ou dois estalos vindos de
dentro da sala de zazen. Como um bom aluno, continuei olhando para a parede
branca. A seguir ouvi mais uns dois estalos e com o "canto de
olho" vi uma movimentação. Não resisti: olhei. Vi uma monja segurando
régua de madeira com aproximadamente 1 metro de comprimento e 10cm de largura.
A seguir ela levantou a régua e bateu forte no ombro de um dos meus colegas.
Fez um barulho alto e me voltei rapidamente para a parede, torcendo para que
ela não tivesse visto meu mal comportamento/ter olhado.
Fiquei definitivamente assustado com o barulho que aquela régua fez.
Definitivamente. Para piorar, ela começou a vir para o canto da sala em que eu
estava, e o que era para ser uma meditação passou a ser uma briga com o corpo
para deixar a coluna o mais reta possível, mantendo-me praticamente sem
respirar, para não ser punido. Foi quando a monja, andando m-u-i-t-o devagar,
chegou até onde eu estava e parou atrás de mim. Condescendente, fechei os
olhos... quando veio o barulho! Levei um tremendo susto, mas quem havia sido
corrigido foi a pessoa que estava atrás de mim. Ufa!
Apesar de não poder, oficialmente, conversar durante o sesshin, na
primeira oportunidade perguntei sobre a tal régua. Me contaram que ela se chama
kyosaku, e a monja só bate nas pessoas que pedem ou que a monja vê que estão
meio dormindo, mas que ela sempre avisa antes. (Quer dizer, não tem nada a ver
com estar sentado torto.)
Num outro dia, na meditação pela manhã, pedi duas vezes pelo kyosaku.
Confesso que fez bem para minha meditação, mas eles deveriam ter avisado, desde
o primeiro dia, o que era o kyosaku.
5º dia.
O cansaço bate à porta:
Por estar dormindo horas a menos do que estou acostumado, o
cansaço físico e mental estava atingindo marcas inéditas. (É ridículo, mas
eu estava considerando tirar uma soneca sentado no banheiro.) Juntando-se a
isso estavam as várias horas de meditação diárias, o que não é relaxante. Abaixo
um depoimento de Charlotte Joko Beck sobre um sesshin:
"Para ser honesta, o retiro é um sofrimento controlado. Temos a
oportunidade de encarar nosso sofrimento numa situação prática. Quando nos
sentamos para praticar, todos os atributos tradicionais de uma boa aluna zen
são postos em xeque: resistência, humildade, paciência, compaixão. Essas coisas
parecem fantásticas nos livros, mas não são tão atraentes quando estamos com
dor. É por isso que o sesshin deve não ser fácil: temos de aprender a estar com
o nosso sofrimento e ainda assim agir da maneira apropriada. Quando aprendemos
a estar com nossas vivências, sejam elas quais forem, temos mais consciência do
contentamento que é a nossa vida".
Honestamente, eu não estava fisicamente ou mentalmente preparado para
para a rotina que o sesshin impõe. Por isso, após o almoço, sai um pouco do
Zendo para caminhar e pensar sobre o que eu estava vivendo. Passei no mercado,
comprei pães de queijo (meu vício) e encontrei a monja Heishin.
Conversa com a monja Heishin:
Até este momento o que mais me chamou a atenção foi a alegria serena
em que sempre pareciam estar a monja Heishin e a monja Waho-san, e eu não
identificar esse mesmo padrão na Monja Coen/sensei.
Fiquei feliz por ter encontrado a monja Heishin no mercado. Ela me
explicou que Dharma é a realidade e o significado de uma "oração" que
fazemos durante o zazen:
"O Dharma, incomparavelmente profundo e precioso, é raramente
encontrado mesmo em centenas de milhares de anos. A mim, agora, é facultado
vê-lo, ouvi-lo e compreendê-lo."
Mas dessa conversa o que mais mexeu com os meus conceitos foi ela ter
dito que apesar do caminho para a iluminação ser trilhado a partir do desapego,
você não estará nele se não houver o desapego ao desapego. Acho que ela quis
dizer que o fluxo das escolhas que fazemos deve ser contínuo e
natural.
Voltei para o Zendo, fiz alguns asanas (posturas de yoga) e pranayamas
(exercícios respiratórios) para estimular a mente e voltei a sentar em zazen.
6º dia.
Corrida matinal:
Após o último período de zazen do sesshin, Monja Coen seguiu para uma
caminhada/corrida em frente ao estádio do Pacaembu sob os olhares atentos da
"runner girl" Mônica Peralta, que encontrou mais quatro alunos da
sensei dispostos ao exercício, eu incluso.
Fora do Zendo, correndo enquanto o Sol nascia, encontrei na Monja Coen
uma pessoa muito divertida. Não houve "puxões de orelha" ou
broncas ou aspereza e, com simplicidade e bom humor, nos divertíamos. Foi quando
vi a senhora simpática de 64 anos que vestia roupas de ginástica, sorria para a
vida e com e vida, e a reverenciei pela humanidade que vi nela, não pela posição que ela
ocupa. Ali, sem qualquer apetrecho que lembrasse sua autoridade, foi
quando a admirei.
Dokusan:
Dokusan é uma conversa privada com a mestre zen, a qual é normal
ocorrer durante sesshins. Conversa-se sobre a condução da prática zen e das
experiências tidas durante as meditações. No meu caso ela só ocorreu depois que
o sesshin havia terminado e conversamos sobre yoga, kundalini e prana. Mas mais
intenso do que termos conversado, foi quando nos silenciamos e ela procurou o
meu olhar. Olhamos nos olhos um do outro por vários segundos e senti como se
ela estivesse observando a minha alma e de que eu estava nú. Púdico, sorri e
desviei os olhos. Ela sorriu de volta, me parabenizou por eu ter
"aguentado" todas as suas broncas. Reverencie-a em profundo
respeito, pois encontrei em seu olhar uma fração do que acredito que chamam de Buda.
Uma percepção:
Apesar de vivermos em uma sociedade que cultiva a liberdade, estamos
cada vez mais presos ao passado e ao futuro. Não percebemos que o passado já
foi e que o futuro não existe.
Enquanto não abrirmos mão desses conceitos e não estivermos plenos no
agora, não seremos livre.