Lembro bem do dia em que Arthur C. Clarke deixou de estar entre nós. Foi em março de 2008, e o seu verbete na Wikipedia virou blog, com diversos nerds (no melhor dos sentidos, ok?) postando mensagens saudosistas (o que foi prontamente categorizado como “vandalismo” pelos moderadores). O verbete não chegou a ser bloqueado para atualizações, como foi o de Michael Jackson, mas houve considerável comoção.
Clarke deixou um legado para a literatura ficcional, literatura não-ficcional, astronomia e para a esperança. Dentre seus trabalhos figura a obra original e a co-autoria do roteiro de “2001: Uma odisséia no espaço”. E a esperança? É que existem basicamente duas escolas dentre aqueles que pensam sobre a vida fora da Terra: a positivista, que tem Clarke, Sagan e Asimov como principais expoentes; e a pessimista, que está alcançando mais popularidade nos últimos anos, quando da ausência dos três mosqueteiros aí de cima (creio que um dos motivos para isso seja que os pessimistas não parecem contar com literatura ficcional para divulgação de suas ideias – seriam seus enredos pouco interessantes?). Verdade é que se você acredita em extraterrestes inteligentes, então talvez você deva algo a Clarke.
Dessa vez os extraterrestres chegam a Terra para ficar. E é primoroso! Só assim posso definir esse grande trabalho de Clarke, “O fim da infância”, publicado em 1953, praticamente ainda no início de sua carreira profissional como romancista.
O livro é instigante, do início ao final, utilizando-se magistralmente do mistério como ingrediente principal da trama: por que esses visitantes nunca saem de suas naves? Qual seria sua forma física? Será que vieram de um outro planeta desolado e não têm outro lugar para onde ir? Será que são orgânicos ou são computadores construídos por uma raça, a muito esquecida, para explorar o universo? Ou serão humanos que visitaram a Terra milhões de anos atrás, deixando aqui alguns dos seus (ou dos nossos?) e agora vieram salvar seus filhos da destruição nuclear?
E quando algum desses mistérios é desvendado, eles parecem também de multiplicar, revelando outros muitos por explicar. Mas o grande mistério permeia a trama até quase a última página: “Por que eles estão aqui?”. Ainda assim, eles permanecem por mais de 150 anos.
No transcurso de sua estadia profundas mudanças ocorrem na sociedade: é criado o Estado Mundial; são abolidas as forças armadas (o que duplica a riqueza do mundo); as máquina encarregam-se sozinhas da produção de praticamente todos os bens e serviços; os homens passam a se dedicar exclusivamente a atividades de seu genuíno interesse ... e a ciência e a arte, criativas, praticamente desaparecem.
É um excelente argumento que enamora a psicologia da coletividade, encontrando argumentos convincentes sobre como nos comportaríamos se tivermos sobre nossas cabeças (literalmente!), uma raça sobre a qual apenas sabemos ser muito (!!) superior à nossa.