Além desse blog não ser para fazer críticas de cinema, também não é para falar de questões do coração... mas é espaço para deixar fluir as letras.
Um bom amigo meu (@silentangelrj) certo dia falou que existem 5 estágios para o luto da morte, são eles: negação, revolta, barganha, depressão e aceitação.
Abaixo um pequeno vídeo pra mostrar um pouco como funcionam essas fasses e para dar umas risadas. Diversão garantida.
Essas fases me pareceram imediatamente similares àquelas experimentas quando se termina uma relação amorosa, sem entrar na discussão do por quê.
Com isso em mente criei um pequeno texto, no modelo carta (ou e-mail?), para cada uma dessas fases enquadradas como típicas do luto de morte, mas escrito para o luto de amor (tomei especial atenção a última dessas fases).
Pensei como personagem a escrever as cartas uma jovem mulher (acho que, nessas circunstâncias, são personagens emocionalmente mais ricos) que teria se apaixonado verdadeiramente pela primeira vez em sua vida, e que viu chegar o fim de sua relação. Começando pelo princípio:
(0) Paixão
Uma (grande) mensagem de celular:
Por diversas vezes ao longo dos dias as lembranças de nossos momentos me vêm a mente, e me tiram um sorriso que acalenta o coração. Mas hoje você esteve também na minha noite, em meus sonhos doces. Queria voltar lá com você, num sonho compartilhado, a escutar a melodia que só é alcançada quando dois que se amam se tocam. Num lugar onde a existência do tempo não traz de arrasto as responsabilidades da idade. Onde é permitido pedir um break para curtir cores, formas, cheiros, e respirar fundo sem descontar do tempo total de vida. Me apartar da síndrome da velocidade e te levar comigo para um estado de consciência em que o tempo fosse apenas um instante atrás do outro.
Obrigado por cada pétala que deixas em meu caminho, por colorir com seu olhar e seus beijos meus finais de tarde e meu estado de espírito. És importante. O mais importante. Bjs grande, para meu eterno amigo e confidente: meu namorado.
P.S.: Frase do dia: "Se o céu que vemos lá em cima / Desabasse e caísse / Eu não choraria, eu não choraria / Não, eu não derramaria uma lágrima, / Enquanto você estiver, estiver ao meu lado". Pra minha endorfina de estimação.
(1) negação:
“Oi meu... Hoje faríamos seis meses, e parece impossível me olhar no espelho sem lembrar de você. Como se a imagem que construí de mim mesmo estivesse integrada a sua. Bjs...”
(2) revolta:
Sorry, não consegui entrar na sintonia para um bom texto dessa sensação. Se quiser, escreva um e eu coloco entre aspas.
(3) barganha:
Tenho percebido que a conversa que tivemos há duas semanas foi das mais honestas que tive em toda a minha vida, e algumas frases me têm voltado. Especialmente a que diz "eu vou te amar para sempre!". Talvez seja meio loucura, mas tenho cada vez mais confiança de que ela é sensata. E enquanto a poeira das confusões abaixa, essa é a marca que fica. A cada novo dia tenho mais certeza disso.
Você deve se lembrar também da noite em que te disse "você foi a melhor coisa que já aconteceu em minha vida". O momento em que falei isso passou, a sensação de descontentamento passou, a inconformidade passou. Entretanto, a frase ainda é valida. Você foi a melhor coisa que já aconteceu em minha vida.
Escolhi dizer isso hoje por que esse é o seu aniversário, e é importante para mim que te sintas importante. Não se trata exatamente de uma paquera fora de hora, só uma constatação, que não acredito que vá mudar. Queria deixar claro que eu não mudaria nada na nossa história, que você é alguém legal, e que sabe proporcionar bons momentos na companhia de outros. Não estou em nada arrependida de ter vivido nossa história.
Achei simplesmente justo que você soubesse que valeu a pena.
Para sempre...
(4) depressão (interiorização):
(Goodbye My Lover de James Blunt. Parece que durante um tempo essa música foi a mais tocada em velórios nos EUA. A letra é linda, e relata muito bem essa fase do luto, seja de morte, seja de amor.)
Poema de Maykelle souza:
"Agora!
Restou o vazio!
Essa saudade, essa vontade de ter, o que eu não posso ter.
Que loucura!
Esse sofrimento, que se prolonga a cada toque do telefone,
Solidão que não passa.
Fendas que nada pode preencher,
Vazio, que nada pode ocupar
"Quanta dor, até me confundo.
Agora sei que o amor e a dor andam juntos.
Lágrimas brotam do coração, e molham o meu rosto
Cada vez que sua lembrança vem em mim.
Lágrimas que você não vê!
Sofrimento que você não viu.
E agora me sinto tão abandonado, tão só.
E você onde está?
Certamente estás nos braços de outro alguém.
Alguém que não sei se será capaz de te amar como eu.
Quanta saudade!"
"Saudade de um sonho não sonhado,
de um amor que existiu e não foi realizado,
Queria tanto ouvir sua voz novamente.
Sua voz dizendo "fica comigo".
Mas essas palavras são minhas.
Na verdade eu estou aqui.
Implorando por ti...
Por um pouquinho de você.
Não sei se realizarei os meus desejos de te ter outra vez,
É, pelo menos em meus sonhos eu tenho você.
Pensei em algumas coisas, para te dizer:
Por isso amor, vou me resumir:
Eu nunca vou te esquecer, por que te amei, e ainda amo você."
P.S.: Fala comigo...
(5) aceitação:
Tenho pensado muito sobre se deveria lhe escrever, e o quanto ainda vale a pena mexer nessa nossa história. Mas decidi colocar para fora essa carta para demarcar um momento, para que ao chegar ao final desse texto fique claro que chegou também ao final da nossa história, sem mais pesares, sem mais voltas, sem mais arrependimentos. Para me sentir livre a virar a página e escrever minha próxima história de amor (com um final feliz), pois só o que posso fazer é seguir, e superar, como sempre o tenho feito... com a mudança dos planos de tê-lo ao meu lado, e de me teres ao teu.
De fato lhe amei, e a cada um dos novos encontros, enquanto nossa relação amadurecia, eu pude me sentir cada vez mais leve e humanizada, como se aos poucos eu fosse me tornando novamente capaz de amar, se soltassem as amarras de meus sentimentos, o pó de meu peito, e eu me tornasse uma pessoa melhor.
Parece mesmo estranho, mas foram naqueles momentos, quando me entreguei realmente, que me senti mais próxima também de mim mesma. Me sentia viva e era nítido que antes eu vivia num estado anestesiado para me proteger do mundo agressivo, insano e desleal que habita à nossa volta. Mas naqueles momentos você estava ali para me proteger, acolher e falar “Eu gosto de você”. Não havia porque me esconder... estranho falar desses momentos em que eu me senti tão inofensiva ao lado de alguém.
Estive disposta a seguir sempre contigo, para sempre. A superarmos juntos todas as dificuldades; a segurar sua mão quando estivesses com medo para lhe dizer que não importava o que acontecesse, eu invariavelmente sempre estaria ali, pelo que você é. Que eu lhe amo e, se preciso fosse, lhe pegaria no colo pelo tempo necessário a todas as tormentas passarem, e a confiança lhe voltar. Não importando o quanto demorasse, faria do seu, o meu tempo. Por você.
Mas (como sempre tem que haver) nas suas constantes medidas do quão prazeroso era o hoje, que não respeitavam os altos e baixos a que qualquer relação está sujeita, me tornei, em dias alternados, sua certeza e sua dúvida. Então ficou claro que o sonho do “para sempre” passou a ser um sonho que se sonha sozinho, e por não ter com quem dividí-lo, foi ficando cada vez mais pesado e difícil seguir adiante. Me percebi como uma das suas dúvidas, com os olhos do julgamento pairando entre nós, nos distanciando e tolhendo a espontaneidade com o “não pode”, “não faça” e “evite”.
Então abandonei a esperança de ser eu quem teria acesso a uma presença íntima em sua vida, e, não sendo assim, deixou de interessar. Desculpe por isso. Principalmente por ser meu o discurso da necessidade de, em momentos críticos, ceder, passar por cima do orgulho, engolir a mágoa e conseguir recomeçar do zero, reconquistando-nos aos poucos.
Nesse momento queria poder escrever que "é uma pena" ou "infelizmente", mas não soaria natural. Essa é a escolha de ambos, e estamos melhor na ausência que ficou, que na crise que havia. Estranhamente, pela primeira vez em algum tempo, vamos deixar as coisas acontecerem "naturalmente". Como se eu tivesse finalmente conseguido me adaptar as suas expectativas e as suas regras. Não há que assustar ou lamentar por isso. Não há que resistir, o tempo há de nos afastar e passaremos a pensar em nós dois no passado. A maré do "faça como quiser" nos alcançou, e sinto que vai nos distanciar a cada dia, sem a intenção de qualquer esforço de ambos para evitá-lo.
Acabou, e posso dizer que sinto-me privilegiada por ter um dia amado alguém e ter sido correspondida. Foi bom, valeu a pena, e digo ter um pouco de pena das pessoas que não tiveram a oportunidade que eu tive. Fostes a primeira pessoa com quem tive um amor genuíno que senti recíproco, e nossa história vai fazer toda diferença por toda minha vida.
Desisti e deixei de desejar, mas a projeção de uma vida sem carregar seu sorriso em meu bolso me parece tão seca do melhor que se pode ter que não me sinto forte o bastante (ou covarde?) para varrer-nos para debaixo do tapete, pois lhe amei sem reservas e houve de acordar simplesmente feliz por já estares em minha mente, pelo que sua imagem me conforta.
Por fim, aproveito a oportunidade para abençoar suas futuras relações, suas futuras amizades, e o seu futuro. Lhe desejo tudo que possa haver de melhor nesse mundo. Eu, vou apenas respirar fundo e lembrarei de nós apenas pelo que fomos, não pelo que deixamos de ser. (ponto)
Com amor fraterno.
Rosa
[Se tiveres problemas e visualizar/fazer comentários, use o link direto: http://euebotoes.blogspot.com/2010/07/luto-de-morte-vs-luto-de-amor.html Obrigado por acompanhar. Rodrigo.]
segunda-feira, 19 de julho de 2010
sábado, 10 de julho de 2010
Reflexões com Woody Allen
Antes de mais nada, esse não é espaço para crítica de cinema. Se procuras por uma crítica mais séria de “Tudo Pode Dar Certo”, de Woody Allen, feita por alguém que sabe fazê-la, clique aqui. Eu quero apenas conversar com vocês sobre algumas ideias que esse filme fez surgir em minha mente, mas sem spoilers.
A busca por sentido está presente em cada um de nós, é um dos fardos da complexidade humana. Buscamos por sentido na família, no trabalho, na religião. Conquistar um espaço onde possamos nos sentir frágeis, mas seguros por saber que não há ali o que temer. Isso porque é na fragilidade que somos autênticos, e faz parte da vida estar em contato com nós mesmos.
Mesmo sabendo quem se é, ainda parece difícil se ligar a um desses lugares/pessoas sem projetar ali um pedaço de nós, visto que é naquele espaço que parte de nós encontra possibilidade de se manifestar... e quando nos vemos apartados dela, é difícil lembrar que aquele pedaço está em nós, não do lado de fora. Então existe o luto que dói, não por se perder o outro, mas sim por se julgar ser também onde nos encontramos a morrer ali.
E o que acontece quando não sabemos quem realmente somos? Nos voltamos ao externo, a procura de referenciais para nos construir, para justificar nossa existência, e nos apropriar. Podemos então ansiar pela “sorte de um amor tranquilo”, por filhos e viver no cuidado deles quem somos, como meio a deixar um legado imaterial ao mundo. Queremos estar com alguém que possamos chamar silenciosamente de “meu”, que depende de nós e de quem dependemos. Queremos pertencer e nos sentir pertencidos... pela dificuldade em dissociar o que está lá fora, com o “pouco” que está “aqui” dentro.
Essas são questões que afloraram pelo filme “Tudo Pode Dar Certo”, de Woody Allen, onde todos os personagens parecem buscar por significação, cada um a sua moda, mas ainda assim, o mesmo processo.
Os personagens são bem estereotipados e os diálogos, às vezes, meio forçados. Mas esse é um dos trunfos do filme: não é a história de um personagem, é a história de uma procura que se apropria dos personagens para ser explorada. Quando entrei no ritmo do filme, tudo me pareceu inclusive bem natural.
São quatro personagens que estão em foco, e vi em cada história um pouco de mim mesmo, do meu vizinho e das histórias que estão estampadas nos romances. Como dito, cada um deles tem a sua própria maneira de procurar se justificar e construir.
O personagem principal, Boris, um físico, tem uma vida bem organizada, com um discurso pronto sobre diversos aspectos da vida, estruturado sobre os próprios alicerces de mundo. É uma pessoa mais velha do que a idade denuncia. Uma pessoa de New York em cuja perspectiva de mundo consigo enxergar muito de mim mesmo (ou das minhas angústias).
Boris faz parte de um seleto, restrito e invejável (a meu ver) grupo de pessoas que conseguem olhar para si mesmas e se justificar a partir dos próprios princípios, não dos externos. Que consegue efetivamente estar bem com elas próprias e seus pensamentos, sem a necessidade de um Faustão no domingo, de um filme de Sessão da Tarde ou um alguém para desejar bom dia e boa noite, pois não tem medo da solidão que mostra os vazios.
Partilhando o set com Boris, o físico, estava Melody St. Ann Celestine, a ingênua. Uma jovem que sequer sabe a diferença entre uma ironia mal feita e uma verdade dita à cru. Melody surge literalmente como uma pessoa atirada no mundo, fugida de casa, sem nenhum referencial de pessoas, instituições ou crenças onde recorrer ou a quem se apegar. É boba como uma criança que não vê maldade no mundo, e é quase a contragosto sendo abrigada por Boris.
Melody, jovem e cheia de vida, se apropria rapidamente dos valores de mundo de seu anfitrião, alcançando a paródia de um bom partido precisar ser mal humorado e conhecer Teoria das Cordas. Obviamente, pessoa alguma parecia à Melody mais interessante que àquele que a ensinou o que é ser interessante. Os dois se casam e passam a vier o mesmo mundo: o de Boris.
A história desse casal é uma caricatura exagerada do que são muitos dos casais modernos, em que o laço que os mantém unidos deixou, historicamente, de ser uma dependência financeira e estrutural, para ser transformada numa procura de uma identidade/sonhos conjuntos e alguém em quem projetar parte da responsabilidade da própria felicidade.
Esse é um processo muito perigoso, pois se aproximar do conjunto costuma significar se afastar de si. Passa-se a viver a identidade da relação, e deixa-se de seguir na procura de quem realmente se é. Sem medo de errar, digo também que esse movimento torna a “Melody” uma pessoa menos interessante, pois deixa de ter a possibilidade do brilho nos olhos que tem o poeta quando percebe vislumbrar algo pela primeira vez, e capaz de criar algo pelas próprias mãos.
Esse comportamento cria laços fortes de dependência emocional, e faz com que pessoas aceitem grandes tormentas para poder ainda ter ao lado aquele “companheiro(a)” que passa a ser o motivo de suas vidas. A possibilidade de perda dele(a) a colocaria numa condição de ausência de motivos, pois a falta de estímulos alicerçados nos próprios sonhos (pela negligência de si, para si) antecipa o medo da sensação de vazio que se anuncia. Parecem não perceberem o que deixam de ganhar com a “solidão” delas mesmas, em sair de casa e ir fazer um curso de fotografia, roteiro ou física... enfim, cuidar um pouco delas.
Acredito ser frase típica do espírito “Melody”: “por detrás de um grande homem, existe sempre uma grande mulher”. Extremamente machista, sugere que a pessoa se diminua, por assumir que não se tem a força suficiente para correr atrás dos próprios sonhos. Acho que aí está o cerne da questão: força suficiente. Deixa-se de acreditar em si mesmo como sendo capaz, potente.
Entretanto, ninguém é mais capaz de ser a pessoa Melody, que Melody. Ou vai saber fazer melhor a pessoa Rodrigo, que o próprio Rodrigo. No momento em que se opta por tirar os anseios de Rodrigo de circulação, ele deixará um buraco no mundo, indubitavelmente.
Outra personagem é a mãe de Melody e, quando a conhecemos, ficamos a entender um pouco mais da história prévia de sua filha. Vivendo num casamento frustrado, tolhida das possibilidades de expressão, projetou na filha alguns dos ideais de felicidade que tinha para si. Melody nunca foi Melody, e sua mãe nunca esteve realmente feliz.
Por fim, o pai de Melody (que também não lembro o nome) diz ter sua “virilidade” amputada pelo casamento. Numa cidade do interior onde a repressão reina, esteve sempre preocupado com o que falariam os vizinhos, a família e os colegas de faculdade. Com o tempo perdeu a espontaneidade numa sociedade artificializada. Então, ao chegar em New York, percebe não ter a quem justificar seus atos, e livre a seguir suas vontades mais íntimas; é então feliz, pela primeira vez, desde a infância.
"O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos" - Marguerite Yourcenar.
Thanks to: Woody Allen pela inspiração, @silentangelrj pelas contribuições e aos que passaram e me somaram.
A busca por sentido está presente em cada um de nós, é um dos fardos da complexidade humana. Buscamos por sentido na família, no trabalho, na religião. Conquistar um espaço onde possamos nos sentir frágeis, mas seguros por saber que não há ali o que temer. Isso porque é na fragilidade que somos autênticos, e faz parte da vida estar em contato com nós mesmos.
Mesmo sabendo quem se é, ainda parece difícil se ligar a um desses lugares/pessoas sem projetar ali um pedaço de nós, visto que é naquele espaço que parte de nós encontra possibilidade de se manifestar... e quando nos vemos apartados dela, é difícil lembrar que aquele pedaço está em nós, não do lado de fora. Então existe o luto que dói, não por se perder o outro, mas sim por se julgar ser também onde nos encontramos a morrer ali.
E o que acontece quando não sabemos quem realmente somos? Nos voltamos ao externo, a procura de referenciais para nos construir, para justificar nossa existência, e nos apropriar. Podemos então ansiar pela “sorte de um amor tranquilo”, por filhos e viver no cuidado deles quem somos, como meio a deixar um legado imaterial ao mundo. Queremos estar com alguém que possamos chamar silenciosamente de “meu”, que depende de nós e de quem dependemos. Queremos pertencer e nos sentir pertencidos... pela dificuldade em dissociar o que está lá fora, com o “pouco” que está “aqui” dentro.
Essas são questões que afloraram pelo filme “Tudo Pode Dar Certo”, de Woody Allen, onde todos os personagens parecem buscar por significação, cada um a sua moda, mas ainda assim, o mesmo processo.
Os personagens são bem estereotipados e os diálogos, às vezes, meio forçados. Mas esse é um dos trunfos do filme: não é a história de um personagem, é a história de uma procura que se apropria dos personagens para ser explorada. Quando entrei no ritmo do filme, tudo me pareceu inclusive bem natural.
São quatro personagens que estão em foco, e vi em cada história um pouco de mim mesmo, do meu vizinho e das histórias que estão estampadas nos romances. Como dito, cada um deles tem a sua própria maneira de procurar se justificar e construir.
O personagem principal, Boris, um físico, tem uma vida bem organizada, com um discurso pronto sobre diversos aspectos da vida, estruturado sobre os próprios alicerces de mundo. É uma pessoa mais velha do que a idade denuncia. Uma pessoa de New York em cuja perspectiva de mundo consigo enxergar muito de mim mesmo (ou das minhas angústias).
Boris faz parte de um seleto, restrito e invejável (a meu ver) grupo de pessoas que conseguem olhar para si mesmas e se justificar a partir dos próprios princípios, não dos externos. Que consegue efetivamente estar bem com elas próprias e seus pensamentos, sem a necessidade de um Faustão no domingo, de um filme de Sessão da Tarde ou um alguém para desejar bom dia e boa noite, pois não tem medo da solidão que mostra os vazios.
Partilhando o set com Boris, o físico, estava Melody St. Ann Celestine, a ingênua. Uma jovem que sequer sabe a diferença entre uma ironia mal feita e uma verdade dita à cru. Melody surge literalmente como uma pessoa atirada no mundo, fugida de casa, sem nenhum referencial de pessoas, instituições ou crenças onde recorrer ou a quem se apegar. É boba como uma criança que não vê maldade no mundo, e é quase a contragosto sendo abrigada por Boris.
Melody, jovem e cheia de vida, se apropria rapidamente dos valores de mundo de seu anfitrião, alcançando a paródia de um bom partido precisar ser mal humorado e conhecer Teoria das Cordas. Obviamente, pessoa alguma parecia à Melody mais interessante que àquele que a ensinou o que é ser interessante. Os dois se casam e passam a vier o mesmo mundo: o de Boris.
A história desse casal é uma caricatura exagerada do que são muitos dos casais modernos, em que o laço que os mantém unidos deixou, historicamente, de ser uma dependência financeira e estrutural, para ser transformada numa procura de uma identidade/sonhos conjuntos e alguém em quem projetar parte da responsabilidade da própria felicidade.
Esse é um processo muito perigoso, pois se aproximar do conjunto costuma significar se afastar de si. Passa-se a viver a identidade da relação, e deixa-se de seguir na procura de quem realmente se é. Sem medo de errar, digo também que esse movimento torna a “Melody” uma pessoa menos interessante, pois deixa de ter a possibilidade do brilho nos olhos que tem o poeta quando percebe vislumbrar algo pela primeira vez, e capaz de criar algo pelas próprias mãos.
Esse comportamento cria laços fortes de dependência emocional, e faz com que pessoas aceitem grandes tormentas para poder ainda ter ao lado aquele “companheiro(a)” que passa a ser o motivo de suas vidas. A possibilidade de perda dele(a) a colocaria numa condição de ausência de motivos, pois a falta de estímulos alicerçados nos próprios sonhos (pela negligência de si, para si) antecipa o medo da sensação de vazio que se anuncia. Parecem não perceberem o que deixam de ganhar com a “solidão” delas mesmas, em sair de casa e ir fazer um curso de fotografia, roteiro ou física... enfim, cuidar um pouco delas.
Acredito ser frase típica do espírito “Melody”: “por detrás de um grande homem, existe sempre uma grande mulher”. Extremamente machista, sugere que a pessoa se diminua, por assumir que não se tem a força suficiente para correr atrás dos próprios sonhos. Acho que aí está o cerne da questão: força suficiente. Deixa-se de acreditar em si mesmo como sendo capaz, potente.
Entretanto, ninguém é mais capaz de ser a pessoa Melody, que Melody. Ou vai saber fazer melhor a pessoa Rodrigo, que o próprio Rodrigo. No momento em que se opta por tirar os anseios de Rodrigo de circulação, ele deixará um buraco no mundo, indubitavelmente.
Outra personagem é a mãe de Melody e, quando a conhecemos, ficamos a entender um pouco mais da história prévia de sua filha. Vivendo num casamento frustrado, tolhida das possibilidades de expressão, projetou na filha alguns dos ideais de felicidade que tinha para si. Melody nunca foi Melody, e sua mãe nunca esteve realmente feliz.
Por fim, o pai de Melody (que também não lembro o nome) diz ter sua “virilidade” amputada pelo casamento. Numa cidade do interior onde a repressão reina, esteve sempre preocupado com o que falariam os vizinhos, a família e os colegas de faculdade. Com o tempo perdeu a espontaneidade numa sociedade artificializada. Então, ao chegar em New York, percebe não ter a quem justificar seus atos, e livre a seguir suas vontades mais íntimas; é então feliz, pela primeira vez, desde a infância.
"O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos" - Marguerite Yourcenar.
Thanks to: Woody Allen pela inspiração, @silentangelrj pelas contribuições e aos que passaram e me somaram.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
Microconto ABL
A Academia Brasileira de Letras (@abletras) lançou no dia 15 de março o Concurso Cultural de Microcontos do Abletras, que tinha por objetivo escrever um microconto, com tema livre, com até 140 caracteres (quantidade de caracteres que cabe num post de twitter).
Foram 2293 contos inscritos, e o resultado saiu dia 1 de julho. Como imaginava, não ganhei (o prêmio foi um dicionário).
Abaixo, o meu e os três microcontos vencedores, por ordem de preferência pessoal.
"Joguei. Perdi outra vez! Joguei e perdi por meses, mas posso apostar: os dados é que estavam viciados. Somente eles, não eu". (segundo lugar - @carlaceres)
"A moeda é lançada e não há dúvidas sobre o resultado: pertencerá ao merecedor. Na apatia, entregou a sorte a ela mesma, e sobrou o azar." (eu mesmo - @rcolpo )
"Não sabia ao certo onde tecer sua teia. Escolheu um cantinho de parede da cozinha. Acertou na mosca". (terceiro lugar - @Eryckmaga)
"Toda terça ia ao dentista e voltava ensolarada. Contaram ao marido sem a menor anestesia. Foi achada numa quarta, sumariamente anoitecida". (primeiro lugar - @bdapieve)
Foram 2293 contos inscritos, e o resultado saiu dia 1 de julho. Como imaginava, não ganhei (o prêmio foi um dicionário).
Abaixo, o meu e os três microcontos vencedores, por ordem de preferência pessoal.
"Joguei. Perdi outra vez! Joguei e perdi por meses, mas posso apostar: os dados é que estavam viciados. Somente eles, não eu". (segundo lugar - @carlaceres)
"A moeda é lançada e não há dúvidas sobre o resultado: pertencerá ao merecedor. Na apatia, entregou a sorte a ela mesma, e sobrou o azar." (eu mesmo - @rcolpo )
"Não sabia ao certo onde tecer sua teia. Escolheu um cantinho de parede da cozinha. Acertou na mosca". (terceiro lugar - @Eryckmaga)
"Toda terça ia ao dentista e voltava ensolarada. Contaram ao marido sem a menor anestesia. Foi achada numa quarta, sumariamente anoitecida". (primeiro lugar - @bdapieve)
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