terça-feira, 10 de maio de 2011

Física e arte: análise do quadro "Naturaleza Muerta Resucitando", de Remédios Varo

A população da Europa no sec. XVII se habituava a existência da prensa móvel, criada por Johannes Gutenberg em 1439, que retirou na igreja a monopólio sobre os livros, e via crescente sua curiosidade acerca da ciência, dos astros, da alquimia e da matemática, afinal, a pouco a Terra havia sido deslocada do centro do universo, para apenas um local qualquer no infinito do cosmo.
Foi um século de efervescência, com cafés abrigando “faculdades à centavos” entre intelectuais burgueses e homens nascidos do povo, para conjecturar a respeito da filosofia da vida e da natureza. De um desses encontros surgiu importante oposta entre dois cavalheiros, a ver quem descobriria primeiro os motivos que impulsionam os planetas a volta do Sol. Um deles, ciente da dificuldade do problema proposto, foi a procura do professor de matemática da Universidade de Cambridge: Isaac Newton, que, surpreendentemente, já tinha a resposta.

Quadro Naturaleza Muerta Resucitando, de Remédios Varo

O quadro da pintora surrealista Remédios Varo, Naturaleza Muerta Resucitando (1963), sintetiza muito da essência dessa época e de um conhecimento que foi aos poucos sendo dilapidado por Galileu Galilei, Johannes Kepler e Isaac Newton, tomando como metáfora a maçã que o jovem Newton teria visto cair de um pomar e que o fizera questionar sobre as forças que regem a gravidade.
Há controvérsias sobre a veracidade da história da maçã, que Newton apenas começou a contar após atingir idade mais avançada, mas é certo que suas ideias lançaram luz a toda ciência da época, e nova lenha aos acalorados debates científicos, o que Varo “brilhantemente” representa por uma vela no centro de uma mesa, à volta da qual giram maçãs e peras, numa coreografia com certa confusão.
A física newtoniana, pela primeira vez, escrevia equações que eram aplicáveis a fenômenos triviais, como o lançamento de projeteis, e a grandes eventos, como a órbita de planetas, criando um elo entre a física da Terra e física universal. Assim, nosso planeta nem possuía um local especial na “criação”, nem era provida de leis físicas diferenciadas.
No quadro de Varo também podemos ver uma representação da formação de um sistema solar, podendo ser o nosso ou não, visto que são as mesmas leis que regem todo o universo. No centro do sistema teríamos uma protoestrela, e à volta, protoplanetas, que continuam a crescer a partir da sua aglomeração violenta com outros protoplanetas, por não terem sua órbita desobstruída. Ainda como representação da gravidade, há o nítido movimento espiralado da toalha sobre a mesa, que imita o movimento dos planetas. Já as bordas da toalha elevam-se em direção à proestrela, representando que a gravidade continua sempre a atuar, mesmo a longas distâncias, por uma força, descrita por Newton, que se reduz com o quadrado da distância entre os corpos.

Representação artística da formação de um sistema solar
Naturaleza Muerta Resucitando foi o último quadro de Remédios Varo, que morreu em 1963. Compreender o significado do nome deste quadro implica saber que uma estrela, na verdade, nunca morre. Após completar seu ciclo de fusão e acabar o material combustível, ela se dispersa pelo universo e, eventualmente, participará de nova nuvem molecular, que irá se condensar, por manutenção do momento angular irá girar e achatar-se, e formará novas estrelas e planetas.  Assim, a natureza “morta” se reinventa, se recicla, ressuscita. (nosso próprio Sol é uma estrala de segunda geração)
(Existe outra análise desse quadro muito diferente desta, na qual a mesa representa a infância de Remédios Varo, a vela a pureza espiritual buscada pela artista, e as “frutas explodindo” os obstáculos vencidos. É interessante para ver o quanto essas obras podem ser subjetivas.
Está disponível em: http://clio.rediris.es/exilio/remediosvaro/ObrascomentadasRVaro.htm)

2 comentários:

  1. Adorei os quadros, Rodrigo! Gosto de pintura surrealista. O texto também é muito interessante.
    Sabia que a macieira do Newton ainda existe? Não garanto seja ela, mas tem uma velha macieira em Cambridge que os guias sempre mostram pros turistas e juram que é a tal. :)
    Lembrei de você quando escrevi minha coluna pro Digestivo Cultural. Quando puder, dê uma olhada: http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3325&titulo=Ilustres_convidados
    Beijos!

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  2. Oi, Rodrigo!
    Teve uma tremenda falha no Blogger e muita gente (você inclusive) perdeu comentários e postagens inteiras. Então, aí vai uma reprise:
    Gostei muito das pinturas e o texto também está ótimo. Lembrei de você enquanto escrevia a coluna do Digestivo. Quando puder, dê uma olhada: http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3325&titulo=Ilustres_convidados
    Beijos!

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